Quem nasceu depois de 1976 não sabe; a tal "Lei de Gerson" foi
uma expressão criada naquele ano, por causa de uma propaganda de cigarro em que
Gerson, famoso jogador da Seleção Brasileira, campeã da Copa de 70, diz com um
carregado sotaque carioca, que "goshtava de levarr vantagem
em tudo, cerrto?". Terminava assim: "faça como
eu: fume Villa Rica."
Imediatamente o público brasileiro associou a expressão com o tal "jeitinho
brasileiro", que faz "drible" em leis e regras ou faz
uso delas para conseguir o que quer - o tal levar vantagem em tudo.
Mais tarde o jogador disse ter se arrependido de ter feito o comercial,
pois, vira o seu nome associado a toda e qualquer ação pouco ética por meio da
expressão "Síndrome de Gerson" ou "Lei de Gerson".
Nunca como agora esta "lei" foi tão posta em prática, ainda que o termo tenha caído em desuso. Os meios de comunicação e as rodas de conversa presenciais e virtuais soltam comentários indignados sobre a corrupção em Brasília, mas, e as pequenas ou grandes trapaças do dia a dia de cada um de nós, quem assume?
Vejamos se você ou eu não presenciamos todos os dias pessoas que furam
filas, que dão uma de "espertinhos" no trânsito ou na vida, que param
ou estacionam em frente de uma garagem ou em fila dupla por mera conveniência
pessoal... sem contar com os que não cumprem com um compromisso ou acordo, que
trabalham mal ou sem empenho, que levam um certificado ou diploma na base da
cola e outras trapaças... a lista, infelizmente, é bem longa. Talvez,
provavelmente em algum momento, para a vergonha dos que a temos, nos vejamos a
nós próprios entre alguma dessas ações, se não agora, ao menos em algum passado
de nossa história.
O "querer levar vantagem" não é vergonha exclusiva dos brasileiros, como se pensa por aí, nem tão pouco, fenômeno recente na humanidade. A má esperteza a serviço do egoísmo vigora desde Adão e Eva em todo lugar onde haja seres humanos. O Super-Homem criado pelo filósofo Nietchsze, bem ao contrário do Super-Herói dos quadrinhos e telas, é um ser solitário, triste e unicamente preocupado consigo mesmo. Para tais homens vale bem a sentença daquele outro filósofo, Jean Paul Sartre, de que "o inferno são os outros".
O que acontece é que o ser humano não nasce de chocadeira; está ligado a
outros humanos do início ao fim de sua existência. Se se desliga, tentando
construir sua felicidade sem levar em conta a dos demais, assina sua própria
sentença de infelicidade; a pior "desvantagem" que se pode levar na
vida.
Se por um lado, a tendência ao egoísmo nos puxa para baixo, por outro, a possibilidade de mudar de atitude e a liberdade para tal, está inegavelmente ao nosso alcance. Então, o que ocorre é que temos que escolher para que lado apontamos; se o dos honestos; se o dos desonestos; não dá para ficar no meio!
Não se trata de ser o "certinho"; cumpridor de regras; só para não ficar mal diante dos demais ou de si mesmo. Regras só têm sentido quando se leva em conta a vida de cada um em relação aos demais nos diversos agrupamentos sociais, nem mais e nem menos. O importante - e este é o cerne da cidadania - é a consciência individual dos próprios direitos e deveres em cada núcleo social do qual se faça parte, seja família, escola, clube, igreja, condomínio, bairro, cidade, País. Há que se desenvolver o critério em relação ao que é honesto e o bom senso para aplicá-lo em cada circunstância.
A liberdade de
espírito é justamente o fruto direto deste esforço. Se desdobra em duas
facetas: a da sinceridade - uma sinceridade selvagem, como costumava dizer um
espanhol famoso do Séc. XX - e a da responsabilidade, aquela capacidade
das pessoas maduras de assumirem plenamente todas as consequências das próprias
escolhas e decisões. Pessoas interiormente livres não nadam na corrente do "politicamente
correto" ou do que todo mundo acha e faz; não seguem "modas",
antes as lançam; não são influenciados, antes influenciam.
Por outro lado, estamos em um tempo em que a mídia domina o geral da
opinião pública. Os nada edificante exemplos que ela exalta nos dão uma falsa
ideia de que só se é feliz se se tem posses, fama e/ou influência. Então
passa-se a acreditar cada vez mais que, nesta "selva de pedra", é
preciso garantir o seu interesse a qualquer custo por cima do dos demais. Para
esta sociedade o importante é ser um "vencedor"; um "homem de
sucesso", custe o que custar.
Por conta desta mentalidade competitiva a sociedade vai perdendo tanto o sentido da dignidade da pessoa como o do exercício da cidadania. A sociedade individualista gera sempre infelicidade em forma de neuroses, desconfianças, frustrações, inimizades, medos, opressões e toda a gama de sentimentos negativos que a acompanham. Este homem lobo-do-homem apregoado pela mídia torna-se, no fim das contas, lobo de si mesmo, seu próprio e mortal inimigo em última instância.
Voltemos à Lei do Gerson. A Cultura do "levar
vantagem em tudo" é consequência direta das duas ilusões acima
citadas. A primeira – felicidade na posse, na fama e no poder –,
desmascaramos ao concluir que o homem é o que é; não o que possui ou o que pode
diante dos outros. A segunda – a felicidade própria em detrimento da do outro –, a desmentimos definindo o homem como um ser relacional que se realiza, não no atropelamento e
na instrumentalização do outro, mas na busca e construção do bem comum, que
engloba o outro e o indivíduo mesmo.
Se todos concordamos em que uma sociedade é melhor e mais feliz à medida que
vive princípios de honestidade pessoal e solidariedade mútua, o que falta para
mudarmos o mundo em que vivemos? Nós - não outros - fabricamos para esta
sociedade os políticos e os homens de liderança que execramos, pois eles não
saíram de outro lugar, que não dos lares que construímos (ou desconstruímos) ao
longo dos anos.
Se a desonestidade entre os homens públicos existe na
mesma proporção da que pilhamos entre os demais homens comuns da sociedade, a
grande revolução da honestidade e da solidariedade em todos os seus setores
começa pela pequena retificação de atitude de cada cidadão - você e eu - em
cada circunstância. Então... o que estamos esperando?
Homens responsáveis, livres e respeitosos educam seus filhos nestes valores e
também fermentam todos os ambientes em que se movem com eles. São homens que
constroem uma sociedade responsável, livre e respeitosa, capaz de gerar administradores,
cientistas, engenheiros, pais, mães, empregados, patrões e homens públicos à
altura.
Sem dúvida, ser, formar e influenciar pessoas nestes padrões custa
trabalho, e muito. Tudo que vale à pena custa. Se não dermos agora mesmo um
passo definitivo neste sentido, jamais poderemos pensar em uma cultura ou uma
sociedade em que possamos viver num padrão mínimo de segurança, liberdade e
paz. Em última instância, cada um deve começar por assumir um compromisso pessoal e inadiável com a boa formação da própria consciência. Sócrates, Platão e Aristóteles podem nos dar umas boas pistas!
#LEIDEGERSON, #COMEÇARPORMIM,
#HONESTIDADE-LIBERDADE-RESPONSABILIDADE